A síndrome do espelho: quando o maior risco do seu negócio é você mesmo

Ao longo dos anos, trabalhando com organizadores de eventos esportivos de todo o Brasil, percebi algo que vai muito além de planilhas, percursos e cronogramas.
Alguns eventos fracassam por falta de recursos. Outros por má execução. Mas há um tipo de fracasso mais difícil de detectar: aquele que começa de forma silenciosa, nos bastidores, e tem uma origem muitas vezes invisível para quem está no comando. Esse tipo de fracasso começa no espelho.
🪞 Quando a liderança vira busca por validação
Vou chamar isso de “síndrome do espelho” — um comportamento sutil, mas extremamente perigoso, em que a liderança deixa de ser uma função de inspiração e passa a ser uma busca constante por validação.
É quando o líder:
- Se enxerga de forma idealizada, ignorando suas próprias falhas.
- Projeta suas inseguranças nos outros, criticando quem pensa diferente.
- Centraliza o mérito e só distribui tarefas, não reconhecimento.
- Reage mal a qualquer crítica, como se estivesse sempre sendo atacado pessoalmente.
O problema é que esse líder muitas vezes não percebe. Aos olhos dele, está fazendo o melhor. Mas para quem está ao redor, a liderança virou opressão, e o evento perdeu a alma.
Como diz a renomada headhunter Claudia Jañez, que já entrevistou mais de mil CEOs:
- “O que destrói a liderança é o ego.”
- “O líder egóico é aquele que acredita que precisa ser perfeito o tempo todo, e que confunde liderança com superioridade.”
👥 O perigo de quando o ego se torna cultura
O mais perigoso da síndrome do espelho é que ela pode virar parte da cultura.
Frases como:
- “Aqui só fica quem aguenta pressão.”
- “Sem mim, isso não aconteceria.”
- “Somos os maiores, ninguém nos alcança.”
Podem parecer motivacionais à primeira vista, mas escondem uma mentalidade que bloqueia a colaboração, silencia talentos e afasta quem mais poderia contribuir com inovação e consistência.
Como mostrou um estudo da Stanford Graduate School of Business, líderes excessivamente egocêntricos criam culturas de medo e estagnação — e o resultado é queda de performance e perda de talentos.
Já a Harvard Business Review aponta que líderes com energia positiva contagiante são os que mais geram crescimento sustentável e comprometimento real da equipe. Mas atenção: não estamos falando dos “reis das piadinhas” — aqueles que, como alerta Grace Snelling em sua excelente matéria publicada na Fast Company Brasil, usam o humor como mecanismo de fuga para evitar conversas difíceis, mascarar inseguranças ou desviar do papel de liderança. O líder verdadeiramente inspirador não se esconde atrás de trocadilhos: ele inspira pelo exemplo, escuta com intenção e dá clareza ao time.
Esses líderes não centralizam.
Eles elevam.
🌊 O mar ensina o que o espelho nem sempre mostra
Foi dentro de uma canoa havaiana que compreendi, com mais profundidade, o que realmente significa liderar.
Quem lemeia uma canoa não grita. Não impõe. Não briga com o vento nem com as ondas.
Liderar ali é sentir o ritmo da equipe, ler o mar com humildade e ter a sabedoria de saber a hora de remar com força — a hora de apenas manter a direção — e, às vezes, até reconhecer que não é o momento de entrar no mar.
Quando se está na água, não importa quem está na frente ou atrás.
Importa se todos estão conectados.
Já vi canoas com bons remadores batendo remo, sem sair do lugar.
E outras, com menos força, avançando com leveza e harmonia — simplesmente porque houve escuta, presença e sincronia.
Essa é uma das grandes lições que levo comigo quando olho para o mundo corporativo dos eventos esportivos: a liderança não é sobre mostrar poder, é sobre manter o rumo. E quando o ego assume o leme, o time rema em silêncio. Até parar.
As perguntas que a liderança evita (mas deveria fazer)
Se você organiza eventos esportivos, sabe o quanto sua equipe é essencial.
Sem ela, o atleta não larga. O pórtico não sobe. O chip não registra. O evento simplesmente não acontece.
Então vale parar — e olhar para o espelho com mais coragem:
- Estou cercado de pessoas que me desafiam ou apenas concordam comigo?
- Dou espaço real para ideias ou apenas delego tarefas?
- Reconheço os méritos do time ou transformo tudo em conquista pessoal?
- Quando erro, assumo ou me defendo?
- Minha equipe caminha comigo por respeito, por medo ou simplesmente por hierarquia?
No fim das contas…
O espelho pode ser usado para manter a pose — ou para gerar transformação.
A escolha é sempre de quem lidera.
Mas aqui vai um alerta sincero: quando o ego entra demais em campo, a colaboração sai.
E com ela, vai embora o que há de mais valioso na construção de um evento esportivo: a força do time.
Referências:
- Terra: “O que destrói a liderança é o ego”, diz headhunter que entrevistou mais de mil CEOs.
- O que fazer quando seu chefe é o rei das piadinhas sem graça?
- Harvard Business Review – The Best Leaders Have a Contagious Positive Energy.
- Stanford Graduate School of Business – Don’t Let Your Ego Destroy Your Startup.
- Adam Grant – Think Again: The Power of Knowing What You Don’t Know.