Trocas, transferências e o caos nas inscrições

Conversando com organizadores de eventos esportivos de diversas regiões do país, me chamou a atenção o aumento descontrolado das solicitações de transferências, trocas de titularidade e mudanças de distância. Embora o cambismo ainda não esteja estruturado nesses eventos da mesma forma que em shows e grandes espetáculos com grande aglomeração de pessoas, os sinais de alerta já começam a aparecer, indicando que essa realidade pode mudar em breve.
O que antes era pontual agora tem causado impactos diretos na logística das provas, sobrecarregando equipes e comprometendo resultados. Rodrigo Tuchê, da Speed Eventos de Aracajú, relatou que enfrenta inúmeros problemas com atletas que mudam de distância sem aviso ou simplesmente emprestam seus chips, afetando diretamente as premiações por faixa etária. Muitas vezes, essas mudanças são feitas sem qualquer comunicação com a organização ou até mesmo de forma desordenada que acaba saindo do controle, distorcendo os resultados e prejudicando quem compete de forma legítima.
Esse tipo de situação vai além de comprometer a precisão na apuração dos tempos e descredibilizar as premiações. Ela também impacta diretamente o trabalho das empresas especializadas, como as de cronometragem, que são contratadas justamente para garantir a integridade dos resultados.
No entanto, um problema ainda mais grave foi muito bem pontuado por Murilo Laiza, da Beta Sports: o número de peito precisa ser encarado como um documento oficial e pessoal do atleta no evento. Muitos participantes ainda o veem apenas como um item de cronometragem, mas ele é a principal referência da organização para identificação e segurança dentro da prova.
Se um atleta repassa seu número para outra pessoa sem comunicar a organização, os dados cadastrados podem não corresponder ao real participante da prova. Isso significa que, em caso de emergência, o atendimento pode ser comprometido porque as informações registradas pertencem a outro atleta.
Murilo destaca que os organizadores precisam adotar estratégias para conscientizar os atletas sobre essa responsabilidade, estabelecendo processos claros que reforcem a importância do número de peito e a necessidade de seu uso correto. Algumas ações sugeridas incluem:
✅ Comunicar essa regra de forma clara no regulamento do evento
✅ Incluir mensagens educativas na comunicação pré-prova
✅ Estimular os atletas a preencherem corretamente os dados de contato no verso do numeral
✅ Criar campanhas reforçando que o número de peito é pessoal e intransferível
No fim das contas, o respeito ao número de peito não é apenas uma questão organizacional, mas sim de segurança e responsabilidade para todos os envolvidos. Quanto mais os organizadores reforçarem essa consciência entre os atletas, mais protegidos estarão seus eventos e participantes.
Por outro lado, organizadores de eventos de ciclismo, MTB e Triathlon afirmam que esse problema não tem sido uma realidade para eles. Segundo Sandro Bernardoni, atual presidente da CBTRI e organizador de provas de triathlon em Santa Catarina, e Felipe Avelar, responsável pela Internacional Estrada Real de Mountain Bike, que abraça algumas cidades no interior de Minas Gerais, a incidência de trocas é mínima. Ambos compartilham que o perfil dos atletas nos seus esportes são parecidos e tendem a ser mais comprometido com a prova e a competição em si, reduzindo significativamente esse tipo de demanda.
Isso reforça minha percepção de que as maiores preocupações estão realmente concentradas nos eventos de corrida de rua, um segmento que deve continuar em expansão ao longo do ano. O crescimento de 13% no número de participantes de 2023 para 2024, evidenciado por uma pesquisa recente realizada pela equipe Keep Running, confirma essa tendência, consolidando a corrida de rua como uma das práticas esportivas mais populares do Brasil e, ao mesmo tempo, ampliando os desafios para os organizadores no controle de transferências e trocas de titularidade.
Algumas boas práticas já estão sendo adotadas
Um exemplo interessante de medida preventiva para evitar problemas com trocas e revendas vem da Federação Baiana de Triathlon (FEBATri). Cleber Castro, presidente da entidade, compartilhou conosco uma parte do regulamento, que estabelece restrições para transferências de titularidade, com prazos e taxas bem definidos.
Na imagem abaixo, é possível ver como limitar a transferência até 30 dias antes do evento, mediante uma taxa de R$50, por exemplo, ajuda a dificultar estas práticas e mantém o controle sobre as inscrições. Além disso, não permitir a alteração do tamanho da camisa adiciona outra camada de segurança ao processo logístico do evento.

São pequenos ajustes práticos e no regulamento que podem fazer grande diferença, criando barreiras para práticas prejudiciais que garantem mais segurança tanto para organizadores quanto para atletas legítimos. O desafio agora é expandir essas estratégias e conscientizar o setor sobre a importância de regras mais rígidas para manter a integridade dos eventos esportivos.
Eventos esportivos se tornando festivais – e isso abre brecha
Outro ponto interessante foi levantado por Humberto Cedraz, da RG+, de Feira de Santana/BA. Ele destacou que tem observado um número crescente de eventos que estão deixando de ser apenas competições para se tornarem verdadeiros festivais do esporte, unindo corrida e entretenimento. Provas noturnas, como as deliciosas “Night Runs” — na minha opinião, algumas das experiências mais divertidas — são um grande exemplo dessa tendência, combinando corrida com shows e atrações musicais.
E, nesses casos, a revenda de kits parece ser mais frequente, já que o apelo do evento vai além da performance esportiva, atraindo um público mais diversificado e aumentando a demanda por inscrições na reta final. Cedraz citou a Corrida 100% Você, promovida pelo cantor Bell Marques em Salvador, como um exemplo claro dessa tendência. Além da prova em si, o evento proporcionou um encontro inusitado com uma das maiores referências da musicalidade da Bahia, e a festa seguiu com um after repleto de música e atividades para relaxar, tornando a experiência muito mais do que apenas uma corrida, mas um grande festival esportivo e cultural.
Em minha visão, quando o foco do participante deixa de ser exclusivamente a performance esportiva e passa a ser a experiência como um todo, incluindo outras atrações, aumenta a possibilidade de que algumas pessoas adquiram inscrições apenas para revendê-las, aproveitando a alta demanda desses eventos. Isso pode ser um indício de que um mercado paralelo está começando a se formar, algo que, se não for monitorado, pode ganhar proporções preocupantes no futuro.
O gozado é que isso não está só em uma teoria. Vilson Thomé, da Thomé & Santos, de Curitiba, relatou que presenciou algo inusitado: uma pessoa vendendo um kit da corrida Furacão Runners, prova que organiza anualmente para o Clube Atlético Paranaense. O mais impressionante? O negócio aconteceu enquanto ele fazia uma pausa para um lanche na lanchonete do próprio estádio.
Se já existem indícios de pessoas vendendo kits de grandes eventos de corrida, quanto tempo levará para que essa prática se torne recorrente? E mais: quando isso poderá evoluir para um sistema estruturado e real de cambismo, como já acontece em outros segmentos?
Ainda não sabemos a resposta exata, mas uma coisa é certa: os sinais estão aparecendo, e se não estivermos atentos, essa realidade pode se consolidar mais rápido do que imaginamos.
O impacto real para organizadores e atletas
Os efeitos dessa prática não são apenas administrativos – eles afetam diretamente a experiência dos atletas e na minha humilde opinião a credibilidade dos eventos. Os principais problemas incluem:
- Sobrecarga administrativa: Organizadores gastando ainda mais tempo gerenciando trocas e transferências de última hora, desviando o foco da organização geral do evento.
- Distorção nos resultados: Mudanças de categoria sem aviso impactando ainda mais nas premiações, causando reclamações de atletas legítimos e ainda fazendo com que os organizadores tomem atitudes extremas de até mesmo retirar as premiações por categorias, por exemplo.
- Desgaste da imagem do evento: Se o evento perde credibilidade, patrocinadores podem questionar seu investimento, impactando a sustentabilidade da prova.
- Crescimento do mercado paralelo: Com cada vez mais relatos de revendas de kits, surge o risco de um sistema informal e descontrolado se consolidar.
Se não tomarmos precauções agora, há um grande risco de isso se tornar um problema crescente, tornando-se mais difícil de controlar. O que hoje é apenas um transtorno pode virar uma ameaça real ao futuro dos eventos esportivos de participação.
A grande questão é: seus eventos já estão preparados para lidar com essa mudança de comportamento? Compartilhe conosco.
Referências
- Promovida por Bell Marques, Corrida 100% Você movimento ruas de Salvador
- Mercado de corridas de rua prevê avanço acelerado em 2025