Pipocas ao ataque: a história de um cancelamento
Pipocas* em eventos esportivos é um assunto complicado. Sempre foi.
*Termo surrupiado do Carnaval de salvador para definir quem vai atrás do trio elétrico sem abadá. No nosso caso, trata-se de quem participa do evento na rua sem pagar.
Os atletas – especialmente corredores de rua – tinham / têm reações que vão de condescendência à revolta quando tratamos do tema. Xingam muito no twitter.
Eu vivi na pele.
Conta? Conto! Há cerca de 10 anos trabalhava na organizadora que lançou o portal Sua Corrida, com conteúdo 100% sobre running. Para contribuir no conteúdo, resolvi à época montar meu próprio blog dentro do canal. Chamava Running Sports Marketing, a ideia era levar bastidores, assuntos de mercado, referências globais.
(Aprendi muito com essa obrigação de produzir conteúdo, aliás).
Na empresa – mundo real – era um tempo que falávamos muito sobre pipocas. Eu sempre achei um conceito absurdo. Como assim tem gente que vai correr sem pagar?! A gente vive disso!
Por outro lado, eu percebi que ninguém tocava no assunto.
Num rompante idealista – talvez até ingênuo – decidi que ia usar meu blog para escrever a respeito do tema.
Na verdade, até aquele dia não tinha visto nenhuma manifestação pública sobre. Às vezes eu fico pensando se fui o primeiro a escrever sobre Pipocas na visão de um organizador (no Brasil, claro). Por que? A reação foi, no mínimo, histérica.
Sem querer, mexi em um vespeiro.
E fui *CANCELADO*. Yes.
[ Em 2013, quando isso nem existia ainda! Pioneirismo, hein? ]
Em 30 minutos após publicado já havia centenas de comentários “destruindo” meu texto – e minha pessoa.
“Leitor de Veja (?!)”
“As corridas se tornaram um negócio!”
“A rua é pública”
“Não quero kit”
“Capitalista”
“Os pipocas de hoje são os corredores de amanhã”
Leitores revoltados
E muitos outros impropérios que jamais repetiria aqui.
Algumas poucas vozes saíram em minha defesa – e confesso, chamei amigos (corredores fake) para me defenderem nos fóruns onde o texto “absurdo” estava sendo compartilhado.
(Pô, dá um desconto, estava uma covardia!)
O texto falava sobre quanto era caro fazer o evento, de como a gente trabalhava muito, tentava desmistificar algumas contas de padaria, tentava criar certa consciência ao redor do assunto. Fui achincalhado. Era a postura comum na época a respeito desse tema.
*ps; o texto da história não existe mais. Sumiu em alguma reformulação do Sua Corrida nos últimos anos.
*ps2; tinha gente xingando até bons anos depois da publicação.
Os pipocas de hoje são os pipocas de amanhã
Muita coisa mudou nesse período. Até, pessoalmente, estou menos belicoso.
Uma vez, enquanto trabalhava na organizadora, cheguei a quase sair no tapa numa largada.
O fato é que, atualmente, fala-se mais abertamente do assunto.
Há alguns anos a São Silvestre construiu uma série de ferramentas para ajudar nos controles de acesso.
A Yescom tratou de implementar em outras provas. Teve gente revoltada (e esse texto no Reclame Aqui é bem elucidativo).
Em geral, gente relevante ousa falar sobre o tema e há menos romantização sobre este processo de “profissionalização das provas” por vezes demonizado.
Eu estava errado? Eu estava certo? Não importa. São memórias importantes que acompanham o desenvolvimento do nosso segmento. Até hoje estamos lutando para que, sim, as corridas se tornem um negócio – mas um negócio muito legal, acessível e importante para a sociedade.
Ainda há pipocas, mas há também Kits super democráticos só com medalha.
As fraudes ficaram arrojadas. Teve caso de quadrilha de falsificação de número de peito, por exemplo (!).
De qualquer maneira, devo dizer, esse tema incomodava mais no passado. Eu ainda acho feio ir em uma festa de bico, mas, acho que, pelo menos, temos uma abertura para falar sobre – e constranger um pouco os pipocas.
Além disso, o silêncio do mercado é também um sinal. Poucos estão dispostos a mexer muito com isso, então, hoje me parece menos inteligente brigar sozinho.
Mini-pesquisa para você
Dez anos depois esse ainda é um assunto importante. Vira-e-mexe aparece nas conversas entre organizadores.
Como gostamos muito de dados, lançamos uma mini-pesquisa de percepção de mercado no nosso Instagram, para entender o momento do assunto Pipocas. Seguem os dados:
Primeiro, descobrimos que sim, para a maioria os pipocas ainda atrapalham. Porém, confesso: achei que seria quase unanimidade. Tem bastante organizador que não liga – ou que escolher não ligar.
Depois, descobrimos que, mesmo ainda sendo um fator negativo, a maioria nada faz para coibir os Pipocas. Minha conclusão já foi explorada acima: poucos querem se meter nessa briga.
Medo de sofrer bullying dos corredores (como foi meu caso há 10 anos)?
Por fim, a conclusão é que a prática não tem crescido muito nos últimos anos. Tem muitos eventos até com Pipocas Zero, imagino os que não são apenas na rua.
Por aqui, vamos continuar falando no assunto. Com máximo de imparcialidade – mas com cuidado para não cometer injustiças. E com mais calma.