Clima Extremo e Gestão de Crise na Maratona de Curitiba
Imagine só o cenário: Véspera da sua prova mais importante do ano, a montagem vai indo bem, apesar de uma chuva incessante e teimosa.
Chega a madrugada e com ela, uma tempestade inédita, violenta, que arrasta seu evento, quebra seu equipamento e assusta a equipe de trabalho.
1h30 da manhã e não há tempo de manobra. A adrenalina já era alta, fica intoxicante.
Os pensamentos ficam confusos, a emoção sem controle. Ferrou, São meses de trabalho, dedicação, milhares de pessoas envolvidas e todo seu negócio em jogo.
Eventos são grandes momentos de gestão de crise
E foi esse cenário enfrentado pela Associação Pró-Correr em conjunto com a Global Vita, empresas idealizadoras e executoras da Maratona de Curitiba 2023 (e 2024), que encarou uma noite de terror com categoria.
O final dessa história é feliz: o evento aconteceu, com alguns poucos ajustes, mas cumprindo o combinado com milhares de atletas, setor público e equipe.
É intrigante a capacidade humana de lidar com tempestades – de qualquer tipo.
Para tirar lições desse episódio mais desafiador que completar a Maratona, conversei com Raul Trauczynski, sócio e diretor de operações da Global Vita, parceira operacional da Pro Correr no evento. O Raul compartilhou conosco os recursos de decisões, a linha do tempo e a importância de pensar racionalmente em momentos de crise extrema.
Você confere os principais pontos da entrevista aqui, uma lição de gestão de crise, recuperação de imagem e qualidade na tomada de decisão.
Confira aqui a entrevista com Raul, sócio e diretor de operações Global Vita
Daniel Krutman: Pode descrever um pouco das condições e acontecimentos da noite de sábado? Qual era o cenário que encontraram para montar o evento?
Raul Trauczynski: “Olha, até por volta de 1h da manhã, o ritmo na montagem do evento estava ótimo. Estávamos todos em campo, agilizando a distribuição de materiais e organizando cavaletes e cones. A equipe estava bem coordenada, e apesar da tensão natural de um grande evento, estávamos confiantes. A chuva, que começou lá pelas 1h30, foi um desafio, mas até aquele momento, conseguíamos gerenciar bem.”
DK: Véspera da prova. Chega a madrugada e com ela uma tempestade, muita chuva e clima extremo na cidade. Você consegue descrever as emoções e os pensamentos que passam pela cabeça nessa hora?
RT: “Era quase 1h40 quando o gerador principal falhou, exatamente no início da tempestade. A chuva veio forte, com bastante vento e muitos raios, algo completamente fora da nossa previsão. Nesse momento, a equipe teve que interromper a montagem e eu me lembro de sentir uma mistura de preocupação extrema e determinação para corrigir e executar o que fosse possível. A tempestade seguiu até quase 3h da manhã, nos colocando em uma situação bem complicada, que provocou uma dúvida generalizada em toda a equipe sobre ser possível continuar e realizar o evento em segurança. Quando a chuva parou, toda a equipe ficou em alerta máximo para resolução de diversos danos, como o problema do gerador, barracas de metal da arena que se romperam durante a tempestade e, o principal, os danos causados no percurso que poderiam comprometer largar a prova em segurança, como queda de árvores, perda de cones e cavaletes em locais de bloqueios das vias, dificuldade dos staffs em chegar nos seus pontos demarcados de alagamentos, entre diversos outros desafios.”
DK: Neste caso, quais foram os desafios práticos de produção? Qual cenário a equipe encontra para colocar o evento de pé e como fica o modus operandi do coordenador geral da produção?
RT: “Quando a tempestade deu uma trégua, por volta das 3h10, vimos uma luz no fim do túnel. No momento estávamos gravando um vídeo para ser divulgado de cancelamento, quando Eu, Tuca e Tadeu (Diretor Técnico do evento e da Associação Pró Correr), reavaliamos rapidamente a situação e decidimos continuar seguindo o checklist de atividades planejadas, para seguir até o limite antes de bater o martelo no cancelamento. Foi um momento de muita ação e decisões rápidas, a principal delas, atrasar em 30 minutos a largada para que pudéssemos ganhar prazo para reconstruir o percurso e garantir que todos os pontos estivessem ajustados para a largada da prova. Tivemos um grande suporte da Prefeitura e das secretarias para conseguir o adiamento, o que foi fundamental para manter a realização da prova. A partir da decisão de continuar, foram dezenas de desafios a serem superados, os quais foram gerenciados com muita qualidade e capacidade por nosso coordenador de produção, Lucas Loss, além de toda a sua equipe de arena e percurso, empenhados em reorganizar as estruturas de arena, reposicionar os cones e cavaletes e bloqueios, lidar com alagamentos nas vias e garantir que os staffs estivessem posicionados para a largada da prova. A energia e o espírito de equipe foram incríveis, fruto de muita competência, capacidade técnica, integração do time, o que viabilizou preparar tudo para a largada às 5h30, motivo de muito orgulho e realização para nós como empresa, por tudo que toda a nossa equipe enfrentou de adversidade e superou para garantir a entrega .”
DK: Como foi a tomada de decisão de atrasar a largada? Como foi o passo a passo da gestão de crise e como transformar um cenário tão complexo em ação?
RT:
“Decidir atrasar a largada foi uma escolha difícil, mas necessária. A decisão de atraso foi para criar tempo para executar tudo que seria necessário para avaliar a possibilidade de largar a prova em segurança. No momento em que adiamos a largada, ainda não tínhamos certeza da realização da prova, a única certeza era que sem o adiamento não seria possível seguir em frente. Assim que decidimos adiar, chamamos as principais lideranças e coordenadores para definir os principais pontos que deveriam ser revistos e qual seria o nosso plano de ação. Em paralelo, optamos por uma comunicação aberta, dividindo publicamente com a base de inscritos, assim como com as pessoas e secretarias da Prefeitura que fazem parte do evento, para que todos estivessem sempre alinhados e com transparência total sobre tudo que estava acontecendo.
Hoje temos certeza que comunicar essa mudança com transparência foi fundamental, tanto os atletas como todos os stakeholders envolvidos foram solidários com o momento e nos apoiaram de todas as formas. A partir dali foi uma corrida contra o tempo para garantir que tudo estivesse pronto para as largadas da prova, cujo resultado foi um evento incrível, emocionante e de muito sucesso.”
DK: A organização planeja e espera por condições climáticas extremas? Em algum momento das reuniões de pré-produção isso é discutido? Vocês já tinham um plano?
RT: “O tempo é uma variável que sempre consideramos e inserimos em nosso planejamento de produção. Todos nós já estávamos considerando a chuva e acreditamos que estávamos preparados para as adversidades, mas a realidade é que encaramos uma tempestade e condições climáticas tão extremas que são quase impossíveis de prever ou se preparar adequadamente para elas. O volume de água foi surreal, rajadas de vento comprometendo as estruturas, raios colocando as pessoas em risco… tudo isso atrelado a uma baixa de staffs que não apareceram para suas funções por conta do clima, uma situação extrema que colocou a prova nossa capacidade de adaptação e reação para situações críticas. É praticamente impossível formular um plano que leve em conta todas essas variáveis e decisões que você precisa tomar de imediato na hora em que as coisas acontecem.”
A escassez de staff devido ao clima foi um teste real para nossa capacidade de adaptação e resposta rápida em situações críticas.
Raul Trauczynski
DK: O maior evento da empresa no ano. Cenário de gestão de crise. Como acha que um líder, um empreendedor pode se preparar para esse tipo de momento? Imagino que seja inevitável passar por alguns desses na vida quando se trabalha com eventos.
RT: “Esta crise foi um verdadeiro teste de trabalho em equipe. Dar autonomia e confiar na equipe mostrou-se essencial. Mantivemos a calma, focamos no planejamento e nas soluções práticas. Cada membro da equipe se destacou, mostrando comprometimento e dedicação excepcionais. Foi um esforço coletivo notável, e todos se esforçaram ao máximo para garantir o sucesso do evento, apesar das adversidades.”
DK: Vi vocês mostrarem o rosto, com texto claro, com transparência, nas redes sociais oficiais. É esse um dos segredos para esses momentos? Como pensar na marca e na identidade da empresa mesmo em uma hora dessas?
RT: “Manter a transparência sempre foi um pilar da nossa comunicação. Nestas situações, é fundamental ser honesto e direto. Mostramos nosso rosto nas redes sociais, assumindo a responsabilidade e mantendo o público informado. Isso reforçou a confiança e a lealdade dos nossos clientes e parceiros. Fomos muito além de apenas emitir comunicados; humanizamos a comunicação, o que é vital para manter a integridade da nossa marca.”
. Nestas situações, é fundamental ser honesto e direto. Mostramos nosso rosto nas redes sociais, assumindo a responsabilidade e mantendo o público informado
Raul Trauczynski